ROT 0000193-27.2021.5.09.0091 

ROT 0000193-27.2021.5.09.0091

EMENTA CITAÇÃO ATRAVÉS DE MEIO ELETRÔNICO. APLICATIVO DE TROCA DE MENSAGENS. WHATSAPP. IMPOSSIBILIDADE DE CONFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE DO CITANDO. NULIDADE. Considerando-se as previsões contidas na Lei nº 11.419/2006 e na Resolução CNJ nº 354, de 19.11.2020, entende-se plenamente compatível com o processo do trabalho a comunicação de atos processuais por meio eletrônico, inclusive por aplicativos de trocas de mensagens, como o WhatsApp. Ausentes maiores especificações na legislação, entende-se razoável condicionar a validade da citação à comprovação da identidade do destinatário, o que, nos termos da decisão proferida pelo C. STJ no HC nº 641877/DF , poderia ocorrer, basicamente, por três meios, quais sejam: verificação do número do telefone, confirmação escrita da identidade e/ou a verificação da foto do citando. In casu, ante as deficiências da certidão confeccionada pela oficial de justiça, restou prejudicada a confirmação da identidade do citando por qualquer desses meios. Ante a alegação da Ré de que jamais recebeu as mensagens enviadas através do WhatsApp, impõe-se o reconhecimento da nulidade do ato citatório. Recurso da Ré provido.

Inteiro Teor

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA DO TRABALHO

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO

Identificação

PROCESSO nº 0000193-27.2021.5.09.0091 (ROT)

RECORRENTES E RECORRIDOS: F. G. DONATTI EMPREENDIMENTOS – ME E MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

RELATOR: CARLOS HENRIQUE DE OLIVEIRA MENDONÇA

2ª Turma

EMENTA

CITAÇÃO ATRAVÉS DE MEIO ELETRÔNICO. APLICATIVO DE TROCA DE MENSAGENS. WHATSAPP. IMPOSSIBILIDADE DE CONFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE DO CITANDO. NULIDADE. Considerando-se as previsões contidas na Lei nº 11.419/2006 e na Resolução CNJ nº 354, de 19.11.2020, entende-se plenamente compatível com o processo do trabalho a comunicação de atos processuais por meio eletrônico, inclusive por aplicativos de trocas de mensagens, como o WhatsApp. Ausentes maiores especificações na legislação, entende-se razoável condicionar a validade da citação à comprovação da identidade do destinatário, o que, nos termos da decisão proferida pelo C. STJ no HC nº 641877/DF , poderia ocorrer, basicamente, por três meios, quais sejam: verificação do número do telefone, confirmação escrita da identidade e/ou a verificação da foto do citando. In casu, ante as deficiências da certidão confeccionada pela oficial de justiça, restou prejudicada a confirmação da identidade do citando por qualquer desses meios. Ante a alegação da Ré de que jamais recebeu as mensagens enviadas através do WhatsApp, impõe-se o reconhecimento da nulidade do ato citatório. Recurso da Ré provido.

RELATÓRIO

V I S T O S, relatados e discutidos estes autos de RECURSO ORDINÁRIO TRABALHISTA, provenientes da MM. VARA DO TRABALHO DE CAMPO MOURÃO.

Adverte-se, inicialmente, que a numeração de páginas resulta da conversão do processo para PDF, em ordem crescente.

Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada em 18.03.2021; cientes as partes da publicação da r. sentença em 05.07.2021 (MPT) e em 15.07.2021 (Ré).

Inconformadas com a r. sentença (fls. 69/76), proferida pelo Exmo. Juiz do Trabalho Substituto Sandro Gill Britez da Costa, que acolheu parcialmente os pedidos, recorrem as partes, tempestivamente.

Através do recurso ordinário (fls. 90/104), a Ré postula a reforma da r. sentença quanto aos seguintes pontos: a) nulidade da citação; b) revelia; c) adequação do meio ambiente do trabalho. Juntou os documentos de fls. 105/159.

Preparo efetuado (fls. 112/115).

Contrarrazões apresentadas pelo MPT (fls. 171/176).

Através do recurso ordinário adesivo (fls. 162/170), o MPT postula a reforma da r. sentença quanto aos seguintes pontos: a) limitação das astreintes; b) dano moral coletivo – majoração.

Contrarrazões apresentadas pela Ré (fls. 179/184).

Sendo o Ministério Público do Trabalho parte no processo, não lhe cabe atuar como fiscal da lei.

FUNDAMENTAÇÃO

ADMISSIBILIDADE

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, CONHEÇO dos recursos das partes e das respectivas contrarrazões.

CONHEÇO, também, dos documentos de fls. 105/127, os quais comprovam o preparo recursal e buscam embasar a alegada nulidade da citação. Porém, NÃO CONHEÇO dos documentos de fls. 128/159, pois não se configuram como documentos novos (Súmula nº 8 , do C. TST).

Preliminar de admissibilidade

Conclusão da admissibilidade

MÉRITO

RECURSO DA RÉ

NULIDADE DA CITAÇÃO

A Reclamada suscita a nulidade da sua citação.

Denuncia que a citação foi feita através do aplicativo de mensagens WhatsApp, sem que tenha havido qualquer prova de que a titularidade da conta fosse da empresa.

Registra que “a citação é nula pois foi realizada em pessoa diversa da senhora Fernanda Gonçalves Donatti, única proprietária e representante legal da empresa individual demandada” (fl. 95).

Acrescenta que “no mandado de citação (Id fc561bd), bem como na certidão de cumprimento (Id 677ef35), sequer foi mencionado o número de telefone do citando” (fl. 95).

Assim, requer que seja declarada a nulidade da citação e, por consequência, dos atos processuais posteriores.

Analisa-se.

Trata-se o presente caso de Ação Civil Pública ajuizada pelo MPT, com pedido de tutela de urgência, na qual intenta-se a implementação de estrutura sanitária e alimentar adequada para os empregados da Ré, bem como o fornecimento de treinamento para empregados responsáveis por operar equipamentos de transporte com força motriz própria.

Na decisão de fls. 59/61, o Juízo de origem concedeu a tutela de urgência “para determinar que a requerida cumpra as obrigações descritas nos itens a, b no prazo de trinta dias e c, no prazo de 60 (sessenta) dias, sob pena de incidir em multa de R$ 10.000,00 por obrigação descumprida (a , b,” b.1 “ou c) cumulativamente em cada mês que se constatar o descumprimento, limitada a R$ 100.000,00 (Art. 536, § 1º do CPC)”.

Assim, determinou-se a intimação da Ré para o cumprimento das obrigações que lhe foram impostas, bem como para apresentar defesa.

A intimação da Reclamada se deu por oficial de justiça, através do aplicativo de mensagens WhatsApp.

Constou da certidão de fl. 62:

Certifico que, no dia 29 de março de 2021, por telefone, INTIMEI a empresa F. G. Donatti Empreendimentos ME (Fernanda Gonçalves Donatti) na pessoa do Sr. Pedro Francisco Neto, que de tudo ficou ciente e recebeu a contrafé por meio de aplicativo de mensagem whatsapp, conforme tela de confirrmação em anexo.

Adiante, na fl. 63, consta tela do WhatsApp, da qual se extrai conversa entre a oficial de justiça e um contato nominado “Pedro F. G. Donatti”.

Transcorrido “in albis” o prazo para a Reclamada apresentar defesa, bem como requerido pelo MPT o julgamento antecipado da lide, o Juízo de origem encerrou a instrução e proferiu a r. sentença de fls. 69/76, na qual declarou a revelia da Ré, “verbis”:

REVELIA

Ante a não apresentação de defesa, não obstante a requerida tenha sido regularmente notificada para apresentá-la (ID. 677ef35, fl. 59) configurada está a revelia e, de consequência, a confissão ficta quanto aos fatos narrados na inicial, nos termos do artigo 844 da CLT, 385, § 1º do CPC e Súmula 74 do C. TST.

Dispõem os arts. 6º e 9º, da Lei nº 11.419/2006:

Art. 6º Observadas as formas e as cautelas do art. 5º desta Lei, as citações, inclusive da Fazenda Pública, excetuadas as dos Direitos Processuais Criminal e Infracional, poderão ser feitas por meio eletrônico, desde que a íntegra dos autos seja acessível ao citando.

[…]

Art. 9º No processo eletrônico, todas as citações, intimações e notificações, inclusive da Fazenda Pública, serão feitas por meio eletrônico, na forma desta Lei.

  • 1º As citações, intimações, notificações e remessas que viabilizem o acesso à íntegra do processo correspondente serão consideradas vista pessoal do interessado para todos os efeitos legais.

  • 2º Quando, por motivo técnico, for inviável o uso do meio eletrônico para a realização de citação, intimação ou notificação, esses atos processuais poderão ser praticados segundo as regras ordinárias, digitalizando-se o documento físico, que deverá ser posteriormente destruído.

Recentemente, o CNJ buscou regulamentar as comunicações de atos processuais por meio eletrônico através da Resolução nº 354, de 19.11.2020, a qual prevê o seguinte:

Art. 10. O cumprimento da citação e da intimação por meio eletrônico será documentado por:

I – comprovante do envio e do recebimento da comunicação processual, com os respectivos dia e hora de ocorrência; ou

II – certidão detalhada de como o destinatário foi identificado e tomou conhecimento do teor da comunicação.

  • 1º O cumprimento das citações e das intimações por meio eletrônico poderá ser realizado pela secretaria do juízo ou pelos oficiais de justiça.

  • 2º Salvo ocultação, é vedado o cumprimento eletrônico de atos processuais por meio de mensagens públicas.

Desta feita, entende-se plenamente compatível com o processo do trabalho a comunicação de atos processuais por meio eletrônico, inclusive por aplicativos de trocas de mensagens, como o WhatsApp.

No presente caso, entende-se que a alegação de que a citação não teria sido feita diretamente à proprietária da empresa não viciaria o ato; pois, a princípio, conforme certidão de fls. 62/63, a comunicação teria sido feita ao Sr. Pedro Francisco Neto, o qual já havia atuado como preposto da Ré em audiência promovida pelo MPT (fl. 34).

Porém, na hipótese, observa-se que sequer há elementos suficientes para comprovar que a citação efetivamente foi direcionada ao Sr. Pedro Francisco Neto, ou a qualquer outro representante da Reclamada.

Conforme se depreende do já transcrito art. 10 da Resolução CNJ nº 354, de 19.11.2020, a citação realizada por meio eletrônico deve ser documentada por comprovante do envio e do recebimento da comunicação processual, acompanhada do registro do dia e hora da ocorrência, ou por certidão detalhada da forma como o destinatário foi identificado e tomou ciência da comunicação.

Recentemente, no julgamento do HC nº 641877/DF , o C. STJ condicionou a validade da citação realizada através de aplicativo de mensagens à comprovação da identidade do destinatário, o que poderia ocorrer, basicamente, por três meios, quais sejam: verificação do número do telefone, confirmação escrita da identidade e/ou a verificação da foto do citando.

Estes requisitos não possuem previsão legal, porém constituem parâmetros razoáveis para a identificação do destinatário, em razão da ausência de maiores especificações seja na Lei nº 11.419/2006 ou na Resolução CNJ nº 354, de 19.11.2020.

“In casu”, analisando-se a certidão de fls. 62/63 não há como confirmar de forma robusta que a citação tenha sido direcionada a algum representante da Reclamada, nem mesmo ao Sr. Pedro Francisco Neto.

Na imagem extraída do WhatsApp (fl. 63) consta como destinatário o Sr. Pedro F. G. Donatti, porém não há identificação do número de telefone a que estaria vinculado tal contato. Além disso, não há registro de confirmação da identidade do destinatário das mensagens enviadas pela oficial de justiça; ou seja, o destinatário não confirma que ele se trata do Sr. Pedro Francisco Neto, ou de algum outro representante da empresa. Ademais, não é possível para este Colegiado identificar quem é a pessoa da foto vinculada ao destinatário da citação, seja porque a imagem é minúscula e não possui boa definição, seja porque inexiste outra fotografia do Sr. Pedro Francisco Neto para se fazer a comparação.

Deste modo, ante a necessidade de inequívoca comprovação, faceao sensível ponto das citações iniciais, entende-se que não foram tomados os cuidados adequados para validar a citação realizada por meio eletrônico.

Assim, ante a alegação da Ré de que jamais recebeu tais mensagens, impõe-se o reconhecimento da nulidade do ato citatório.

Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso para declarar a nulidade da citação da Reclamada, bem como de todos os atos processuais subsequentes, e determinar o retorno dos autos à origem para que se possibilite à Ré a apresentação de defesa, com o regular andamento do feito.

Resta prejudicada a análise dos demais tópicos presentes no recurso ordinário da Ré, bem como do apelo interposto pelo MPT.

O valor recolhido a título de custas processuais deve ser devolvido à Reclamada.

Conclusão do recurso

ACÓRDÃO

Cabeçalho do acórdão

Acórdão

Em Sessão Telepresencial realizada nesta data, sob a Presidência do Excelentíssimo Desembargador Carlos Henrique de Oliveira Mendonca; presente o Excelentíssimo Procurador Jose Cardoso Teixeira Junior, representante do Ministério Público do Trabalho; computados os votos dos Excelentíssimos Desembargadores Carlos Henrique de Oliveira Mendonca, Nair Maria Lunardelli Ramos e Luiz Alves; em férias a Exma. Desembargadora Claudia Cristina Pereira; ACORDAM os Desembargadores da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, por unanimidade de votos, CONHECER DO RECURSO ORDINÁRIO DO MPT E DA RÉ, das respectivas contrarrazões e dos documentos de fls. 105/127, porém NÃO CONHECER dos documentos de fls. 128/159. No mérito, por igual votação, DAR PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ para, nos termos da fundamentação, declarar a nulidade da sua citação, bem como de todos os atos processuais subsequentes, e determinar o retorno dos autos à origem para que se possibilite à Ré a apresentação de defesa, com o regular andamento do feito. Resta prejudicada a análise dos demais tópicos presentes no recurso ordinário da Ré, bem como do apelo interposto pelo MPT. O valor recolhido a título de custas processuais deve ser devolvido à Reclamada.

Sem custas, por ora.

Intimem-se.

Curitiba, 8 de fevereiro de 2022.

Assinatura

CARLOS HENRIQUE DE OLIVEIRA MENDONÇA

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