RHC 159560 RS 2022/0016163-4

RHC 159560 RS 2022/0016163-4

EMENTA RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL EM HABEAS CORPUS . CITAÇÃO POR WHATSAPP . VALIDADE DO ATO CONDICIONADA À CERTEZA DE QUE O RECEPTOR DAS MENSAGENS TRATA-SE DO CITANDO. PREJUÍZO CONFIGURADO. RECURSO PROVIDO.

Inteiro Teor

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 159.560 – RS (2022/0016163-4)

RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ

RECORRENTE : JACSON LUIS CARDOSO DOS SANTOS

ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

EMENTA

RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL EM HABEAS CORPUS . CITAÇÃO POR WHATSAPP . VALIDADE DO ATO CONDICIONADA À CERTEZA DE QUE O RECEPTOR DAS MENSAGENS TRATA-SE DO CITANDO. PREJUÍZO CONFIGURADO. RECURSO PROVIDO.

  1. Embora não haja óbice à citação por WhatsApp , é necessária a certeza de que o receptor das mensagens trata-se do Citando. Precedente: STJ, HC 652.068/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 24/08/2021, DJe 30/08/2021.
  2. A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu julgado no qual consignou que, para a validade da citação por Whatsapp , há “três elementos indutivos da autenticidade do destinatário”, quais sejam, “número de telefone, confirmação escrita e foto individual” ( HC 641.877/DF, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, julgado em 09/03/2021, DJe 15/03/2021). Na hipótese, todavia, nenhuma dessas circunstâncias estão materializadas ou individualizadas, inequivocamente.
  3. A Oficiala de Justiça, ao atestar o cumprimento da citação, limitou-se a consignar que contatou o Recorrente por ligação telefônica, oportunidade em que foi declarado o “desejo na nomeação de Defensor Público para acompanhar a defesa e confirmou o recebimento da contrafé, a qual foi deixada em sua residência quando da diligência”. Todavia, não há a indicação sobre se o número no qual atesta ter realizado a citação é do Recorrente.
  4. O prejuízo à ampla defesa foi devidamente declinado pela Defensoria Pública Estadual, a qual, em sua inicial, ressaltou que não teve êxito em contatar o Réu , que não estava cientificado da acusação (STJ, HC 699.654/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 16/11/2021, DJe 25/11/2021; v.g. ).
  5. Recurso provido para anular a citação e todos os atos posteriores que dependam do devido conhecimento dos termos da acusação pelo Citando, sem prejuízo, todavia, da tramitação regular da causa após a concretização da citação que certifique validamente a identidade do Réu, assegurada a observância do art. 357 do Código de Processo Penal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz, Antonio Saldanha Palheiro e Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 03 de maio de 2022 (Data do Julgamento)

MINISTRA LAURITA VAZ

Relatora

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 159.560 – RS (2022/0016163-4)

RECORRENTE : JACSON LUIS CARDOSO DOS SANTOS

ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:

Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus , com pedido liminar, interposto por

JACSON LUIS CARDOSO DOS SANTOS contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL no HC n. 5199197-06.2021.8.21.7000.

Consta dos autos que o Recorrente foi denunciado por supostamente ter, durante o mês

de fevereiro de 2021 até o dia 10, praticado atos de maus-tratos contra animais domésticos, conduta

tipificada no art. 32, § 1.º-A, da Lei n. 9.605/1998.

Sob a alegação de cerceamento de defesa diante da alegada nulidade do ato citatório,

foi impetrado habeas corpus perante o Tribunal estadual, cuja ordem foi denegada nos termos do

acórdão assim ementado (fl. 60):

“HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. CITAÇÃO POR MEIO ELETRÔNICO. APLICATIVO” WHATSAPP “. PANDEMIA. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. POSSIBILIDADE. INFORMATIVO N. 688 DO STJ. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NULIDADE INEXISTENTE. DENÚNCIA FORMALMENTE APTA, PRESENTES MATERIALIDADE, INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA, BEM COMO OS REQUISITOS DO ARTIGO 41, CPP. ORDEM DENEGADA. UNÂNIME.”

No presente recurso alega, em suma, o que se segue (fls. 69-71):

“Na hipótese em testilha, contudo, em que pese a certidão do Oficial de Justiça (evento 11, arquivo 11.1), ao certificar a citação da parte acusada, declarando, sobretudo, o desejo de ser assistida pela Defensoria Pública do Estado, verifica-se que a parte destinatária não exarou a sua ciência no mandado, e sequer atualizou o seu endereço residencial, em razão de proceder a tal ato via aplicativo WhatsApp, inexistindo injustificadamente comprovação de ser a parte ré a usuária de tal número/endereço eletrônico. Ora, a inobservância da formalidade em comento causa notória incerteza acerca da pessoalidade do ato, já que não há comprovação segura de alguém ter efetivamente recebido a citação, tampouco, em caso positivo, da identidade da pessoa que eventualmente a recebeu, não havendo possibilidade, destarte, de ser considerado um ato válido, sob pena da ofensa aos direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, notadamente o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, previstos no artigo 5., incisos LIV e LV, CF.

[…]

Isto porque a parte ré não compareceu nos autos com Procurador Constituído e, após a sua citação via aplicativo WhatsApp, restaram inexitosas as tentativas do contato telefônico, pelo número informado pelo Oficial de Justiça na certidão do evento 11, arquivo 11.1, efetuadas por esta Instituição com a parte denunciada JACSON LUÍS CARDOSO DOS SANTOS, ou com os seus familiares, para prestar os esclarecimentos e indicar as provas a produzir,como o rol de testemunhas, conforme o atendimento no evento 19, arquivo 19.3. Além disso, não há nos autos cópia da conversa realizada no WhatsApp. Ou seja: nenhuma comprovação

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acerca da validade do ato encontra-se nos autos!

[…]

Logo, há exigências formais mínimas a serem observadas para que se dê segurança ao ato praticado, as quais não podem ser desconsideradas, como o foi no caso concreto, implicando em evidente constrangimento ilegal.

No caso dos autos, o (a) Oficial (a) de Justiça não especificou como foi comprovada a identidade do réu, o que gera a nulidade do ato, pois conforme o HC 641.877/DF, são necessários três requisitos para validar-se a citação por WhatsApp: a) número do telefone; b) confirmação escrita; e, c) foto individual, que não foram respeitados no presente feito. Assim, é certo que apenas a palavra do servidor pública não é suficiente para validação do ato.”

Requer, liminarmente, o sobrestamento da tramitação do processo-crime e, no mérito,

o reconhecimento da nulidade da citação.

O pedido liminar foi indeferido pelo Ministro JORGE MUSSI, no recesso forense (fls.

89-90).

O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso (fls. 96-100).

É o relatório.

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RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 159.560 – RS (2022/0016163-4)

EMENTA

RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL EM HABEAS CORPUS . CITAÇÃO POR WHATSAPP . VALIDADE DO ATO CONDICIONADA À CERTEZA DE QUE O RECEPTOR DAS MENSAGENS TRATA-SE DO CITANDO. PREJUÍZO CONFIGURADO. RECURSO PROVIDO.

  1. Embora não haja óbice à citação por WhatsApp , é necessária a certeza de que o receptor das mensagens trata-se do Citando. Precedente: STJ, HC 652.068/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 24/08/2021, DJe 30/08/2021.
  2. A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu julgado no qual consignou que, para a validade da citação por Whatsapp , há “três elementos indutivos da autenticidade do destinatário”, quais sejam, “número de telefone, confirmação escrita e foto individual” ( HC 641.877/DF, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, julgado em 09/03/2021, DJe 15/03/2021). Na hipótese, todavia, nenhuma dessas circunstâncias estão materializadas ou individualizadas, inequivocamente.
  3. A Oficiala de Justiça, ao atestar o cumprimento da citação, limitou-se a consignar que contatou o Recorrente por ligação telefônica, oportunidade em que foi declarado o “desejo na nomeação de Defensor Público para acompanhar a defesa e confirmou o recebimento da contrafé, a qual foi deixada em sua residência quando da diligência”. Todavia, não há a indicação sobre se o número no qual atesta ter realizado a citação é do Recorrente.
  4. O prejuízo à ampla defesa foi devidamente declinado pela Defensoria Pública Estadual, a qual, em sua inicial, ressaltou que não teve êxito em contatar o Réu , que não estava cientificado da acusação (STJ, HC 699.654/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 16/11/2021, DJe 25/11/2021; v.g. ).
  5. Recurso provido para anular a citação e todos os atos posteriores que dependam do devido conhecimento dos termos da acusação pelo Citando, sem prejuízo, todavia, da tramitação regular da causa após a concretização da citação que certifique validamente a identidade do Réu, assegurada a observância do art. 357 do Código de Processo Penal.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):

A pretensão defensiva tem fundamento.

Embora não haja óbice à citação por WhatsApp , é necessária a certeza de que o

receptor das mensagens trata-se do Citando, conforme já concluiu a Sexta Turma do Superior

Tribunal de Justiça. Menciono, nesse contexto, o seguinte julgado:

“HABEAS CORPUS. AMEAÇA NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. AÇÃO PENAL. RÉU SOLTO. CITAÇÃO POR MANDADO. COMUNICAÇÃO POR APLICATIVO DE MENSAGEM (WHATSAPP). INEXISTÊNCIA DE ÓBICE OBJETIVO. DECLARAÇÃO DE NULIDADE LIMITADA AOS CASOS EM QUE VERIFICADO PREJUÍZO CONCRETO NO PROCEDIMENTO ADOTADO PELO SERVENTUÁRIO. ART. 563 DO CPP. PRECEDENTES DESTA CORTE. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO QUE INDICAM A NECESSIDADE DE RENOVAÇÃO DA DILIGÊNCIA.

  1. Em se tratando de denunciado solto – quanto ao réu preso, há determinação legal de que a citação seja efetivada de forma pessoal (art. 360 do CPP)-, não há óbice objetivo a que Oficial de Justiça, no cumprimento do mandado de citação expedido pelo Juízo (art. 351 do CPP), dê ciência remota ao citando da imputação penal, inclusive por intermédio de diálogo mantido em aplicativo de mensagem, desde que o procedimento adotado pelo serventuário seja apto a atestar, com suficiente grau de certeza, a identidade do citando e que sejam observadas as diretrizes estabelecidas no art. 357 do CPP, de forma a afastar a existência de prejuízo concreto à defesa.

Documento: 2167811 – Inteiro Teor do Acórdão – Site certificado – DJe: 06/05/2022 Página 4 de 4

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  1. No caso, o contexto verificado recomenda a renovação da diligência, pois a citação por aplicativo de mensagem (whatsapp) foi efetivada sem nenhuma cautela por parte do serventuário (Oficial de Justiça), apta a atestar, com o grau de certeza necessário, a identidade do citando, nem mesmo subsequentemente, sendo que, cumprida a diligência, o citando não subscreveu procuração ao defensor de sua confiança, circunstância essa que ensejou a nomeação de Defensor Público, que arguiu a nulidade do ato oportunamente.
  2. O andamento processual, obtido em consulta ao portal eletrônico do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, indica que ainda não foi designada audiência de instrução em julgamento, ou seja, o réu ainda não compareceu pessoalmente ao Juízo, circunstância que, caso verificada, poderia ensejar a aplicação do art. 563 do CPP.
  3. Ordem concedida para declarar a nulidade do ato de citação e aqueles subsequentes, devendo a diligência (citação por mandado) ser renovada mediante adoção de procedimentos aptos a atestar, com suficiente grau de certeza, a identidade do citando e com observância das diretrizes previstas no art. 357 do CPP .” (STJ, HC 652.068/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 24/08/2021, DJe 30/08/2021; sem grifos no original.)

Nesse julgamento, o referido Colegiado, à unanimidade, acompanhou voto em que o eminente Ministro Relator consignou o que se segue, ao conceder a ordem de habeas corpus (sem grifos no original):

“Contudo, no caso sob exame, vislumbro algumas especificidades no contexto fático que, na minha concepção, indicam que a melhor solução é a renovação da diligência.

Ora, o paciente foi citado por aplicado de mensagem (whatsapp), tendo sido juntado aos autos capturas de tela que supostamente comprovariam a conversa entre o citando e o oficial responsável pela diligência (fl. 208).

Verifica-se, no entanto, que a diligência foi efetivada sem nenhuma cautela apta a atestar, de forma cabal, a identidade do citando, nem mesmo subsequentemente – o serventuário (Oficial de Justiça) não circunstanciou qual procedimento foi adotado para verificar a identidade do citando, aludindo à simples captura de telas (cf. certidão à fl. 162) -, sendo que, em decorrência da diligência e da ausência de procuração subscrita pelo denunciado nos autos, sobreveio a nomeação de Defensor Público, que passou a atuar no processo em favor do paciente, inclusive arguindo a nulidade do ato […].

[…].

Assim, considerando todo o contexto verificado, qual seja, de que o denunciado não compareceu pessoalmente ao juízo, não subscreveu procuração em favor do defensor, tampouco foi atestada sua identidade no ato de citação ou em diligência subsequente, vislumbro prejuízo concreto verificado a partir da nomeação da Defensoria Pública sem certeza acerca da efetiva aquiescência do denunciado com a nomeação .”

No caso, incidem premissas assemelhadas.

O Oficial de Justiça atestou o que se segue (fl. 59):

“Certifico que, em cumprimento ao respectivo mandado, após diligência negativa no endereço indicado e de deixar Aviso solicitando contato, nesta data, em virtude da pandemia de Coronavírus e das medidas adotadas pelo Tribunal de Justiça para contenção do contágio, às 18:50 horas, observadas as formalidades legais, através de contato com o telefone/WhatsApp número nº (51) 99212-3800, CITEI a (o) ré(u) JACSON LUIS CARDOSO DOS SANTOS dos termos do mandado e da cópia da peça acusatória, ficando bem ciente. Outrossim, declarou desejo na nomeação de Defensor Público para acompanhar a defesa e confirmou o recebimento da contrafé, a qual foi deixada em sua residência quando da diligência. Dou fé.”

Com efeito, o servidor, ao atestar o cumprimento da citação, limitou-se a consignar que contatou o Recorrente JACSON LUIS CARDOSO DOS SANTOS por telefone/WhatsApp. Todavia, não há a indicação sobre se o número no qual atesta ter realizado a citação é do Recorrente . A despeito disso, concluiu o Tribunal estadual que a certidão goza de presunção de veracidade.

Vale referir que a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu julgado no qual consignou o que se segue:

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. INADEQUAÇÃO. CITAÇÃO VIA WHATSAPP. NULIDADE. PRINCÍPIO DA NECESSIDADE. INADEQUAÇÃO FORMAL E MATERIAL. PAS DE NULlITÉ SANS GRIEF. AFERIÇÃO DA AUTENTICIDADE. CAUTELAS NECESSÁRIAS. NÃO VERIFICAÇÃO NO CASO CONCRETO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

  1. […].
  2. A citação do acusado revela-se um dos atos mais importantes do processo. É por meio dela que o indivíduo toma conhecimento dos fatos que o Estado, por meio do jus puniendi lhe direciona e, assim, passa a poder demonstrar os seus contra-argumentos à versão acusatória (contraditório, ampla defesa e devido processo legal).
  3. No Processo Penal, diversamente do que ocorre na seara Processual Civil, não se pode prescindir do processo para se concretizar o direito substantivo. É o processo que legitima a pena.
  4. Assim, em um primeiro momento, vários óbices impediriam a citação via Whatsapp, seja de ordem formal, haja vista a competência privativa da União para legislar sobre processo (art. 22, I, da CF), ou de ordem material, em razão da ausência de previsão legal e possível malferimento de princípios caros como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.
  5. De todo modo, imperioso lembrar que ‘sem ofensa ao sentido teleológico da norma não haverá prejuízo e, por isso, o reconhecimento da nulidade nessa hipótese constituiria consagração de um formalismo exagerado e inútil’ (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. As nulidades no processo penal. 11. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 27). Aqui se verifica, portanto, a ausência de nulidade sem demonstração de prejuízo ou, em outros termos, princípio pas nullité sans grief.
  6. Abstratamente, é possível imaginar-se a utilização do Whatsapp para fins de citação na esfera penal, com base no princípio pas nullité sans grief. De todo modo, para tanto, imperiosa a adoção de todos os cuidados possíveis para se comprovar a autenticidade não apenas do número telefônico com que o oficial de justiça realiza a conversa, mas também a identidade do destinatário das mensagens.
  7. Como cediço, a tecnologia em questão permite a troca de arquivos de texto e de imagens, o que possibilita ao oficial de justiça, com quase igual precisão da verificação pessoal, aferir a autenticidade da conversa. É possível imaginar-se, por exemplo, a exigência pelo agente público do envio de foto do documento de identificação do acusado, de um termo de ciência do ato citatório assinado de próprio punho, quando o oficial possuir algum documento do citando para poder comparar as assinaturas, ou qualquer outra medida que torne inconteste tratar-se de conversa travada com o verdadeiro denunciado. De outro lado, a mera confirmação escrita da identidade pelo citando não nos parece suficiente.
  8. Necessário distinguir, porém, essa situação daquela em que, além da escrita pelo citando, há no aplicativo foto individual dele. Nesse caso, ante a mitigação dos riscos, diante da concorrência de três elementos indutivos da autenticidade do destinatário, número de telefone, confirmação escrita e foto individual, entendo possível presumir-se que a citação se deu de maneira válida, ressalvado o direito do citando de, posteriormente, comprovar eventual nulidade, seja com registro de ocorrência de furto, roubo ou perda do celular na época da citação, com contrato de permuta, com testemunhas ou qualquer outro meio válido que autorize concluir de forma assertiva não ter havido citação válida.
  9. Habeas corpus não conhecido, mas ordem concedida de ofício para anular a citação via Whatsapp, porque sem nenhum comprovante quanto à autenticidade da identidade do citando, ressaltando, porém, a possibilidade de o comparecimento do acusado suprir o vício, bem como a possibilidade de se usar a referida tecnologia, desde que, com a adoção de medidas suficientes para atestar a identidade do indivíduo com quem se travou a conversa .” ( HC 641.877/DF, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, julgado em 09/03/2021, DJe 15/03/2021; sem grifos no original.)

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Na presente espécie, todavia, nenhum desses “três elementos indutivos da autenticidade do destinatário”, quais sejam, “número de telefone, confirmação escrita e foto individual” estão materializados ou individualizados, inequivocamente.

No mais, o prejuízo à ampla defesa foi devidamente declinado pela Defensoria Pública Estadual na peça recursal, ao ressaltar o que se segue:

“Isto porque a parte ré não compareceu nos autos com Procurador Constituído e, após a sua citação via aplicativo WhatsApp, restaram inexitosas as tentativas do contato telefônico, pelo número informado pelo Oficial de Justiça na certidão do evento 11, arquivo 11.1, efetuadas por esta Instituição com a parte denunciada JACSON LUÍS CARDOSO DOS SANTOS, ou com os seus familiares, para prestar os esclarecimentos e indicar as provas a produzir,como o rol de testemunhas, conforme o atendimento no evento 19, arquivo 19.3. Além disso, não há nos autos cópia da conversa realizada no WhatsApp. Ou seja: nenhuma comprovação acerca da validade do ato encontra-se nos autos!”

Com igual conclusão, ainda, STJ, HC 699.654/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 16/11/2021, DJe 25/11/2021; v.g.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso para anular a citação e todos os atos posteriores que dependam do devido conhecimento dos termos da acusação pelo Citando, sem prejuízo, todavia, da tramitação regular da causa após a concretização da citação que certifique validamente a identidade do Réu, assegurada a observância do art. 357 do Código de Processo Penal.

É o voto.

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