ROT 0100713372020501003

ROT 0100713372020501003

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS DO ARTIGO 3º, DA CLT. Para a configuração do vínculo de emprego faz-se necessária a presença, concomitante, dos seguintes requisitos, a saber: pessoalidade, subordinação, não eventualidade e onerosidade, sendo certo que a ausência de qualquer desses requisitos descaracteriza o trabalhador como empregado. Não havendo a comprovação, concomitante, de todos os requisitos necessários para a configuração do vínculo de emprego, nos termos do artigo 3º, da CLT, não há que se falar em vínculo empregatício.

Inteiro Teor

Acórdão

5aTurma

Processo nº 0100713-37.2020.5.01.0031 (ROT)

(Recurso Ordinário Trabalhista)

RECURSO ORDINÁRIO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS DO ARTIGO 3º, DA CLT. Para a configuração do vínculo de emprego faz-se necessária a presença, concomitante, dos seguintes requisitos, a saber: pessoalidade, subordinação, não eventualidade e onerosidade, sendo certo que a ausência de qualquer desses requisitos descaracteriza o trabalhador como empregado. Não havendo a comprovação, concomitante, de todos os requisitos necessários para a configuração do vínculo de emprego, nos termos do artigo 3º, da CLT, não há que se falar em vínculo empregatício.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Recurso Ordinário em que são partes: DEBORAH AMARAL MONTEIRO LOPES , como recorrente, e ROSA FLOR BIJUTERIAS E ACESSÓRIOS LTDA. – ME , como recorrida.

Inconformada com a r. sentença de Id d03ffba, proferida pela Excelentíssima Juíza Érica Cristina Ferreira Gomes, do MM. Juízo da 31a Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, que julgou parcialmente procedentes os pedidos da inicial, recorre ordinariamente a reclamante conforme razões de Id 33a7768.

Pretende a autora a reforma da sentença quanto às seguintes matérias: gratuidade de justiça; presunção de simulação ou fraude; natureza salarial das verbas recebidas; vínculo de emprego; verbas rescisórias, multa dos artigos 467 e 477 da CLT; estabilidade provisória; litigância de má-fé; dano moral; indenização substitutiva do seguro- desemprego; honorários advocatícios.

Contrarrazões apresentadas pela reclamada (Id 75d7c48).

Não houve remessa dos autos ao Douto Ministério Público do Trabalho, por não se vislumbrar quaisquer das hipóteses previstas no anexo ao Ofício nº 737/2018, de 05/11/2018.

Éo relatório.

VOTO

  1. CONHECIMENTO

DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA

O MM. Juízo de primeiro grau indeferiu o pedido de gratuidade de justiça, nos seguintes termos:

“DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA

Indefiro, diante da remuneração percebida pela Autora na relação jurídica em exame, acima e distante do teto legal autorizador da presunção de miserabilidade econômica.

Ademais, restou comprovado sequer se tratar de empregada, mas de empresária do ramo da moda.” (Id d03ffba – Pág. 6).

Em face desta decisão recorre a reclamante alegando, em síntese, que “A Recorrente não possui meios para arcar com as custas processuais e considerando que a OJ 269 da SDI – I do TST autoriza o requerimento em qualquer tempo, reitera o pedido de concessão dos benefícios da Justiça Gratuita. (…) Cumpre ressaltar que conforme entendimento jurisprudencial constante da Súmula 463, I, do C. TST, para concessão da justiça gratuita, basta mera declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou seu advogado. (…) Neste sentido, verifica-se a referida declaração está nos autos sob o Id 1469576. 5. Cumpre observar que a Recorrente requer a concessão da justiça gratuita nos termos do art. 899, § 10a da CLT e art. 98 do CPC c/c Súmula OJ 269 do SDI-I do TST. 6. Neste sentido, da mera observância dos dispositivos acima invocados, depreende-se a existência de clara previsão legal para concessão da justiça gratuita.” (Id 33a7768 – Págs. 3/4).

Aduz que “A MM. Juíza de piso indeferiu o benefício da justiça gratuita à Recorrente sob as alegações de que (i) a Recorrente supostamente percebe remuneração em importe acima do teto legal e (ii) por, também supostamente, não ser a Recorrente empregada. (…) Ocorre que tais razões estão destituídas de qualquer respaldo probatório e legal e, portanto, alheias a realidade dos fatos. A Recorrente, além de juntar a declaração de hipossuficiência, também trouxe aos autos sua Carteira de Trabalho e Previdência Social (” CTPS “), provando estar atualmente desempregada, sem perceber renda de qualquer natureza.” (Id 33a7768 – Págs. 5/6).

Analisa-se.

Registre-se, inicialmente, que o benefício da justiça gratuita pode ser concedido por qualquer juiz ou qualquer instância, de ofício ou a requerimento da parte interessada, a qualquer trabalhador que litigue na Justiça do Trabalho, independentemente de estar sendo patrocinado por advogado ou sindicato, desde que perceba salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, bem como à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo.

Assim, o paradigma para a concessão é o pressuposto de miserabilidade da parte, consoante a redação do art. 790, §§ 3º e 4º, da CLT, aplicável na hipótese.

Neste sentido o entendimento Súmula nº 463 do C. TST, in verbis:

“ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. COMPROVAÇÃO (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 304 da SBDI-1, com alterações decorrentes do CPC de 2015)- Res. 219/2017, DEJT divulgado em 28, 29 e 30.06.2017 – republicada – DEJT divulgado em 12, 13 e 14.07.2017

I – A partir de 26.06.2017, para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa natural, basta a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado, desde que munido de procuração com poderes específicos para esse fim (art. 105 do CPC de 2015);

II – No caso de pessoa jurídica, não basta a mera declaração: é necessária a demonstração cabal de impossibilidade de a parte arcar com as despesas do processo.”

No caso vertente, há afirmação do estado de hipossuficiência pelo reclamante, na petição inicial (Id b1c8175 – Pág. 3) e em declaração firmada de próprio punho (Id 1469576).

Cumpre ressaltar, contudo, que há nos autos elementos aptos a afastar a presunção favorável à autora de veracidade da declaração de hipossuficiência econômica.

Note-se que, conquanto a reclamante tenha apresentado declaração de Imposto de Renda (Id 13abcbc), os recibos de distribuição de lucros (Id 3943006) e o recibo de indenização pelo uso da marca de propriedade da autora (Id dd98bff) demonstram o recebimento de valores pagos pela ré superiores àqueles consignados na declaração de ajuste anual do imposto de renda, bem como superiores a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, afrontando, assim, o disposto no art. 790, §§ 3º e 4º, da CLT e apontando para a falsidade da declaração de Id 1469576.

Assim, considerando a existência nos autos de elementos que afastam a veracidade da declaração de hipossuficiência econômica, entende este Relator que não faz jus a autora ao benefício da gratuidade de justiça, não se aplicando, portanto, à autora a dispensa do recolhimento de custas para a interposição de recurso.

Contudo, este Relator ficou vencido em face do entendimento majoritário desta E. Quinta Turma, que deferiu a gratuidade de justiça à reclamante na sessão realizada em 24/11/2021 e, como corolário, conheço do recurso.

  1. MÉRITO

DA RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE AS PARTES

Alega a reclamante, na inicial, ter sido contratada pela ré em 04/10/2019, para exercer a função de estilista, “percebendo remuneração no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), sendo R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) pagos sem registro. A rescisão contratual se efetivado em 02/07/2020, mediante aviso prévio indenizado. 2. Contudo, até a distribuição da presente ação, não houve homologação da rescisão, nada foi pago a Autora a título de verbas rescisórias, bem como não foram entregues as guias para levantamento do fundo de garantia e entrada no Seguro Desemprego. 3. Durante todo o contrato de trabalho, a Autora percebeu salário por fora, sendo R$ 2.500,00 registrados na CTPS e contracheques e R$ 2.500,00 pagos sem registro. 4. Os salários foram pagos em atraso e de forma cumulada (média de 2 em 2 meses), sendo que, até rescisão, não foram pagos os meses de março e abril.” (Id b1c8175 – Pág. 2).

Aduz que “Durante todo o período contratual, a Autora recebeu o

salário de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Contudo, metade do salário, no valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), não foi registrado na CTPS e contracheques. 17. Conforme informado anteriormente, a Autora recebeu seus salários de forma atrasada e cumulada (dois em dois meses). Assim, os depósitos bancários realizados pela Ré comprovam, não só o atraso, como o pagamento do real valor referente ao salário percebido. (…) Portanto, incontroverso que a Ré depositou em favor da Autora o valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), sendo a última parcela em 13/03/2020, quando a Autora tinha exatos 5 meses de trabalho (outubro/19 a fevereiro/20). Ou seja, de uma mera análise aritmética (25 dividido por 5), concluímos que, notoriamente, o valor mensal pago a Autora era, de fato, no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 23. Assim, requer a Autora o reconhecimento da rubrica paga sem registro como verba salarial e consequente integração da parcela para fins previdenciários e fiscais, bem como reflexos na complementação do FGTS, 13º salários, férias acrescidas do terço constitucional, aviso prévio, salários retidos, multa do art. 477 da CLT, multa do art. 467 da CLT e indenização por garantia no emprego.” (Id b1c8175 – Págs. 6/8).

Requer “A condenação da Ré a obrigação de fazer em anotar a data de término da relação contratual trabalhista da Autora na respectiva Carteira de Trabalho – CTPS, considerando a projeção do aviso prévio; 2. A condenação da Ré ao pagamento de reflexos em FGTS (inclusa multa de 40%), férias mais o terço constitucional, 13º salário, aviso prévio, salários retidos, indenização por estabilidade provisória, decorrentes da integração do salário pago sem registro; 3. A condenação da Ré ao pagamento de salário de retidos de março e abril de 2020 – R$ 10.000,00; 4. A condenação da Ré ao pagamento de 60 dias indenizados correspondente a estabilidade provisória – R$ 10.000,00; 5. A condenação das Rés ao pagamento das verbas rescisórias 13º salário proporcional 2019 -R$ 927,80 (subtraída a parcela já paga); 13º salário proporcional 2020 -R$ 2.916,67; Férias proporcionais + terço constitucional -R$ 4.166,67 + R$ 1.388,89; Aviso prévio – R$ 5.000,00; Multa de 40% FGTS – R$ 2.282,05; 6. Multa do Art. 467 da CLT – R$ 7.877,14; 7. Multa do § 8º do art. 477 da CLT – R$ 5.000,00; 8. Indenização substitutiva do Seguro Desemprego – R$ 3.939,65; 9. FGTS (reflexos da integração e valores deferidos na ação) – R$ 3.330,13; 10. Indenização por danos morais – R$ 25.000,00; 11. Honorários advocatícios na base de 15%.” (Id b1c8175 – Págs. 14/15).

Defende-se a reclamada alegando que “Em verdade, a parte AUTORA, nunca foi empregada da reclamada, MAS SIM SÓCIA DE FATO da ré, conforme resta provado pelos documentos anexados com a defesa, em especial, o documento denominado:”INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONTRATO DE CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO.”12. Contudo, quando da constituição da sociedade a Autora, ora sócia, exigiu figurar como empregada da empresa uma vez que não poderia formalmente fazer parte do Contrato Social da reclamada em razão dos diversos processos trabalhistas e cíveis que respondia. 13. A intenção da sócia Debora, ora Autora, em figurar como empregada era tão somente para que pudesse ter alguma espécie de comprovante de renda, CONTUDO, A SÓCIA DÉBORA NUNCA FOI EMPREGADA DA RÉ, inexistindo na relação qualquer dos requisitos caracterizadores do vínculo empregatício. 14. Frise-se, a parte autora somente pretendia” ter a carteira assinada “para poder frustrar as pretensões de execução contra” uma pobre trabalhadora de carteira assinada “e assim se esquivar, principalmente, porque qualquer valor que fosse penhorado pela justiça, esta conseguia a liberação pois alegava ser salário e portanto, impenhorável.” (Id 8471037 – Págs. 3/4).

Assevera que “O site escavador revela que a reclamante POSSUI 42 PROCESSOS referentes à empresa Make Fashion. 17. A sócia Simone, que permaneceu com a marca da reclamada, embora não concordasse com a exigência da parte autora, infelizmente não conseguiu persuadi-la do” fraudulenta disfarce “de empregada que a sócia Deborah insistia tanto em manter. 18. Outra prova irrefutável de que a reclamante NUNCA FOI EMPREGADA, mas sim sócia, está nos recibos de retiradas de DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS, nos valores médios de R$

10.000,00 (dez mil reais), INEXISTINDO PAGAMENTO DE SALÁRIO DE r$ 2.500,00 como tenta fazer crer a sócia Débora. 19. Além de todas as robustas provas de que a Sra. Débora era sócia e não empregada, insta destacar que não existia na relação entre as sócias qualquer grau de subordinação, o que se deixa muito claro conforme os e-mails repassados pela autora, aonde esta faz diversas exigências tipicamente de dona das marcas e sócia da empresa. A prova que coloca uma pá de cal em qualquer dúvida que possa ainda por ventura existir, o que não se acredita, é o RECIBO DE QUITAÇÃO DE RETIRADA DA SOCIEDADE o montante de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais). 21. Ora excelência, que empregado recebe 25 mil reais da empresa que se diz empregada por esta usar a marca do próprio empregado. Neste caso é nítida a contrariedade entre as teses e a prevalência da afirmativa da ré.” (Id 8471037 – Págs. 4/5).

Sustenta que “resta claro a inexistência de relação empregatícia entre as partes, sendo claro que a Sra. Déborah era sócia da Sra. Simone, detento a primeira a marca MENTHA e a segunda a marca ROSA FLOR, tendo estas se juntado em sociedade para a obtenção de interesses comuns, não existindo subordinação e onerosidade, havendo distribuição igualitária dos lucros oriundos da sociedade de fato existente entre estas. 24. Ainda, sucessivamente, caso por alguma ironia do destino, o entendimento do Juízo não seja pela improcedência, o que se cogita tão somente por excesso de zelo, requer seja considerado o valor do salário de R$ 2.500 (dois mil e quinhentos reais), assim como alegado pela autora, além de serem as retiradas mensais de R$ 10.000 (dez mil reais) abatidas de eventuais créditos deferidos à sócia Debora, por identidade de natureza e fim (pagamento/lucro/remuneração), sob pena de enriquecimento sem causa. (…) De forma indevida a parte Autora requer o pagamento dos salários relativos aos meses de MARÇO E ABRIL DE 2020, quais injustamente alega terem sido” retidos “pela Reclamada, o que NÃO É VERDADE. 27. Repita-se, a Sra. Débora NUNCA FOI EMPREGADA, portanto, NUNCA RECEBEU SALÁRIO, mas tão somente, NA QUALIDADE DE SÓCIA, recebia a divisão dos lucros das marcas MENTHA e ROSA FLOR. 28. Frise-se que os valores médios das retiradas de lucro eram de 10 mil reais, conforme recibos, o que não condiz com a estória contada pela sócia Debora. 29. Outrossim, acaso por algum acontecimento inesperado, o entendimento do Juízo não seja pela improcedência, o que se cogita tão somente por amor ao debate, requer seja o salário considerado de R$ 2.500 (dois mil e quinhentos reais), assim como alegado pela autora, além de serem as retiradas mensais de R$ 10.000 (dez mil reais) abatidas de eventuais créditos deferidos à sócia Debora, por identidade de natureza e finalidade (pagamento/lucro/remuneração), sob pena de enriquecimento sem causa da sócia Debora.” (Id 8471037 – Págs. 5/6).

Afirma que “A sócia Débora, ora Autora, pleiteia o pagamento das verbas rescisórias, sob a alegação de que fora dispensada sem justo motivo, o que não é verdade, posto que conforme alhures informado a parte Reclamante NUNCA FOI EMPREGADA, MAS SIM SÓCIA, razão pela qual os pedidos de pagamento de verbas rescisórias devem ser julgados improcedentes. 36 Em verdade, sob as falsas afirmações apontadas na fundamentação, tentando pois, mascarar SUA FRAUDE e tentando se vingar da ré e se beneficiar de forma indevida, a parte autora pretende se beneficiar de sua própria torpeza. 37. Inobstante todas as assertivas já lançadas pelo Reclamado em sua peça de resistência e uma vez rechaçadas todas as falácias narradas na exordial, posiciona-se a Ré no sentido de que em nada se justifica o pleito vinculo e verbas rescisórias, bem como os pedidos daí decorrentes, visto que ausentes todos os requisitos objetivos, subjetivos e circunstâncias que amparem tal pleito, devendo ser julgado improcedente tal postulação, bem como os pedidos sucessivos e ou acessórios, tais como aviso prévio e sua respectiva projeção, saldo de salário, férias vencidas e proporcionais, acrescidas de 1/3, trezeno salário proporcional, entrega de guias do F.G.T.S. e Seguro Desemprego e a multa de 40% (quarenta por cento). 38. Insta destacar, no que pese o pedido Autoral de entrega de guias para o saque do FGTS e SEGURO DESEMPREGO estes não procedem posto que INEXISTIU contrato de trabalho, não fazendo portanto, jus ao saque do FGTS e acesso ao Seguro Desemprego. 39. Relembre-se que a sócia Debora, ora reclamante, recebeu o vultuoso valor de 25 mil reais para sua retirada da sociedade e para o uso de sua marca MENTHA, tendo da relação de sociedade levado inclusive os letreiros. 40. Ad cautelam, posiciona-se ainda a Reclamada no sentido de que improcede ainda a aplicação da multa prevista no artigo 467 Consolidado, conforme requerido na reclamatória, eis que não há qualquer parcela que não seja controversa, ante os termos da peça de resistência. 41. Quanto ao pedido de pagamento da multa do artigo 477 da Consolidação das Leis do Trabalho formulado na reclamatória, este deve ser rejeitado, vez não houve mora no pagamento de nenhuma verba. 42. Mais uma vez, tão somente por amor ao debate, caso não seja o entendimento do Juízo pela improcedência, requer seja o valor de retirada da sociedade de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) abatido das eventuais verbas rescisórias, posto que tem a mesma natureza, ou seja, de pôr fim a uma relação, ainda que no caso seja da relação civil, contudo, não seria justo nesta Especializada que a parte reclamante tenha o melhor dos dois mundos… Receber 25 mil para retirada da sociedade e ainda verbas rescisórias, posto que uma mesma pessoa não pode ser sócia e empregada ao mesmo tempo, sob pena de enriquecimento sem causa.” (Id 8471037 – Págs. 7/8).

O MM. Juízo de primeiro grau, ao dirimir a controvérsia, assim se pronunciou:

“NEGÓCIO JURÍDICO

A despeito de a CTPS da autora ter sido assinada pela reclamada, esta nega a relação empregatícia, sob a alegação de que o contrato de trabalho teria sido simulado com fulcro de blindar a renda da reclamante, ré em dezenas de processos trabalhistas neste Regional.

Antes de adentrar o mérito, cabe uma pequena digressão acerca do instituto da simulação.

Simulação é uma declaração falsa da vontade, visando aparentar negócio diverso do efetivamente desejado, é uma declaração enganosa da vontade, visando produzir efeito diverso do ostensivamente indicado, é produto de um conluio entre os contratantes. Não é vício do consentimento, pois não atinge a vontade em sua formação, trata-se, em realidade, de vício social, com finalidades como burlar a lei, especialmente a de ordem pública, fraudar o Fisco ou prejudicar a credores.

Na simulação relativa, que seria o caso, as partes pretendem realizar determinado negócio, prejudicial a terceiro ou em fraude à lei. Para escondê-lo ou dar-lhe aparência diversa, realizam outro negócio (negotium colorem habet, substantiam vero). Compõe-se, pois, de dois negócios: um alteram deles é o simulado, aparente, destinado a enganar; o outro é o dissimulado, oculto, mas verdadeiramente desejado. O negócio aparente, simulado, serve apenas para ocultar a efetiva intenção dos contratantes, ou seja, o negócio real.

Dispõe expressamente o art. 167 do Código Civil de 2002 que”é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. Desse modo, a simulação, acarreta a nulidade do negócio simulado. Porém, em caso de simulação relativa, o negócio dissimulado poderá subsistir se for válido na substância e na forma.

Passo a decidir.

Inicialmente, ressalto que o princípio da primazia da realidade não se aplica apenas para beneficiar o trabalhador, mas ao Direito do Trabalho em geral.

Analisando as provas dos autos, verifica-se que a autora jamais foi empregada da empresa reclamada, sendo verdadeira sócia, tendo as partes simulado o negocio jurídico da contratação trabalhista.

As provas de que se trata de uma relação cível são inúmeras, pelo que passo a listar algumas.

A autora confessou, em audiência, que o valor de R$ 25.000,00 recebido era relativo ao direito de uso de sua marca por parte da reclamada, não sendo salário, como narrado na inicial.

A 1a testemunha declarou que:

“a reclamante aparecia, às vezes, na loja para entregar roupas, recolher tecidos, cobrar as metas de venda e verificar o movimento da loja e o seu faturamento (…) que no ato da entrevista, foi informado a depoente, que a Sra Simone era sócia da reclamante (…) que a reclamante ligava frequentemente para o telefone da loja e perguntava se as metas tinham sido batidas e quanto a loja havia faturado naquele dia”

A 2a testemunha declarou que:

“que a reclamante comparecia à loja, uma a três vezes por semana, em média; que a reclamante sempre comparecia nos dias em que havia o recebimento de mercadorias e ajudava a conferi-las; que na entrevista, a depoente foi informada que a Sra Simone e a reclamante eram sócias; que no decorrer do contrato de trabalho da depoente, sempre foi dito que a Sra Deborah era sócia e que ela, inclusive, comandava o trabalho, dava instruções e broncas; que a Sra Deborah e a Sra Simone comportavam-se como chefes e donas da loja; que a reclamante costumava ligar para saber como estava o movimento da loja e, ao final do dia, mandava mensagem perguntando sobre o faturamento da loja”.

Em relação à prova documental, a própria reclamante, para tentar comprovar a rescisão do contrato de trabalho, traz instrumento de distrato cível (id 783cde7), que tem por objeto questões como o uso da marca MENTHA, a devolução dos supracitados R$ 25.000,00, entrega de roupas, uso do ponto comercial e a rescisão trabalhista, esta seguindo a mesma sorte da simulação do contrato.

Também verifica-se o recebimento do letreiro da marca MENTHA por parte da reclamante (id 73c4f23), distribuição de lucros (ids 3943006, 3943006 e 3943006), devolução do valor do uso da marca (id dd98bff) e o contrato de sociedade (id b201d25).

Por fim, cabe anotar a alegação de que a autora seria ré em processos trabalhistas, fato por ela confessado em audiência, o que apenas corrobora a tese da simulação contratual com o fulcro de blindagem patrimonial.

Ante o exposto, comprovada a simulação, declaro nulo o contrato de trabalho entre as partes, nos termos do art. 167 do Código de 2002.

Consequentemente, julgo improcedentes todos os pedidos de cunho trabalhista.

Determino às partes que procedam à anotação da anulação do contrato de trabalho na CTPS da autora.

(…)

EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS

Verifico que a simulação gerou efeitos indevidos em esferas administrativas, com o saque do FGTS, possível acesso ao seguro-desemprego e ao benefício emergencial pela suspensão do contrato de trabalho (COVID), além do recolhimento de contribuições previdenciárias.

Ante a gravidade da situação fraudulenta, determino a expedição de ofícios ao Ministério da Economia, ao INSS, à CEF e ao MPF.

Devem acompanhar os expedientes cópias da inicial, da contestação, da ata de audiência e desta sentença.”(Id d03ffba – Págs. 3/6).

Sustenta que” a Sentença declarou nula a relação de emprego mediante a alegação de suposta fraude, com base em presunções e provas forjadas e apócrifas.

  1. Para declaração de fraude é necessário prova e demonstração robusta não só da incompatibilidade da forma, como do resultado ilícito que se pretenderia. Nenhum destes elementos está presente nos autos. 31. A mera existência de ações trabalhistas em face da empresa da qual o ex cônjuge da Recorrente a colocou como sócia não pode, por si, ser utilizada para presumir fraude ou ânimo de blindar patrimônio. 32. Uma vez mais, sequer foram trazidos aos autos elementos que denotem que as execuções estariam sendo frustradas. 33. Ou seja, a Sentença presume simulação e fraude sem base probatória e sem sequer trazer qual o efeito antijurídico do que se considerou ato simulado. A base em presunção se torna clara quando a Sentença aduz que a existência de ações trabalhistas traduz o ânimo de blindagem patrimonial.

  1. O entendimento não deve e não pode prevalecer. A Recorrente prestou serviço em favor da Recorrida, de forma subordinada, estando presentes todos os requisitos da relação de emprego previstos no Art. 3º da CLT, pelo que a Sentença deve ser reformada.”(Id 33a7768 – Pág. 10).

Assevera que” é notório que a Recorrida orquestrou a prática de atos processuais fraudulentos no intuito de enganar os agentes da justiça, com o fito de ser impune dos atos antijurídicos praticados. Basta uma mera análise de todo o acervo probatório, mas, principalmente, no que diz respeito a prova testemunhal, a qual foi combinada e pré-concebida por terceiros. 37. Conforme indicado pela Recorrente na petição de Id. 2ed5c1b, as testemunhas indicadas pela Recorrida apresentaram depoimento idêntico nos autos do processo 0217531- 15.2020.8.19.0001, em trâmite pelo Cartório do 4º Juizado Especial Criminal – Leblon, referente a denúncia realizada pela Sr. Simone Viegas, sócia da Recorrida, de suposta injúria praticada pela Recorrente. Razão pela qual, de início, a Requerente requereu a suspeição das testemunhas (…) Apesar do requerimento da Recorrente, o MM. Juízo rejeitou o pedido de suspeição, sob protestos da Recorrente. 40. Por conseguinte, os depoimentos das testemunhas LUCIANA SOUZA DE AQUINO e GIOVANA DE MELO COSTA DA SILVA não deixaram qualquer margem de dúvida acerca da orquestração dos atos e, por consequência, da, total, falta de credibilidade quanto ao teor prestado . (Id 33a7768 – Pág. 11/12).

Alega, ainda, que “Fato é que todo o acervo probatório aponta para existência de vínculo empregatício, por óbvio, já que foi o que ocorreu. 72. A Recorrida, além de fazer alegações infundadas sobre suposto ânimo da Recorrente em obstar eventuais execuções e, ainda, trazer aos Autos contrato apócrifo de sociedade, também não fez qualquer menção a prova formal trazida na inicial, qual seja a CTPS assinada e, ainda, a cláusula inserida no distrato de utilização da marca que prevê a demissão sem justa causa da Recorrente. (…) Reitera-se, não há qualquer prova de existência de sociedade e, ainda menos, quanto a inexistência de vínculo trabalhista. A verdade é que houve a celebração de contrato trabalhista em conjunto com a celebração de contrato de utilização da marca MENTHA, de propriedade da Recorrente, o que é absolutamente lícito. 77. Assim, requer a Recorrente a reforma da Sentença para que, afastada a declaração de fraude, seja reconhecida a relação de emprego para julgar procedente todos os pedidos da ação, uma vez que incontroversos, tendo a Recorrida se limitado a arrazoar a defesa sob a mentirosa alegação de sociedade.” (Id 33a7768 – Pág. 18/21).

Analisa-se.

Cumpre esclarecer, inicialmente, que para a configuração do vínculo de emprego faz-se necessária a presença, concomitante, dos seguintes requisitos, a saber: pessoalidade, subordinação, não eventualidade e onerosidade, sendo certo que a ausência de qualquer desses requisitos descaracteriza o trabalhador como empregado.

Destaque-se, ainda, que o Direito do Trabalho é norteado pelo Princípio de Primazia da Realidade, segundo o qual o aspecto formal não pode prevalecer sobre a realidade fática. Informa tal preceito que, na análise das questões relativas às relações de trabalho, deve-se observar a realidade dos fatos em detrimento dos aspectos formais que eventualmente os atestem.

Importa notar, nesse contexto, que no campo da ciência jurídica, ao lado de casos típicos, cuja classificação não enseja dúvidas, existem figuras intermediárias que se situam na chamada zona grise, cujo enquadramento do trabalhador como empregado é tarefa árdua, demandando certa complexidade na análise do conjunto probatório.

Frise-se, por sua vez, que a CLT estabelece em seu artigo 818 que o ônus da prova recairá sobre a parte que alegar os fatos e o artigo 373 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho, dispõe que o ônus da prova incumbirá ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito e ao réu no tocante aos fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito do autor.

Na presente hipótese, a ré alegou que a reclamante laborava, sem subordinação, na condição de sócia de fato da empresa.

Assim, a ré atraiu para si o ônus probatório quanto à natureza da relação jurídica existente entre as partes, ônus do qual se desincumbiu a contento. Vejamos.

In casu , a instrução processual compreendeu, além dos documentos colacionados aos autos, os depoimentos das partes e de duas testemunhas indicadas pela ré.

A reclamante, em depoimento pessoal, afirmou:

“que já teve 2 empresas no ramo têxtil que não tiveram sucesso; que após, foi convidada pela Sra Simone para trabalhar como estilista; que desde o início do funcionamento das empresas, sempre houve reclamações trabalhistas por vários motivos; que a Sra Simone nunca propôs a abertura de sociedade com a depoente; que a referida senhora possuía uma loja em Ipanema e iria mudar de ramo; que como a Sra Simone não entendi nada de roupa, convidou a depoente para trabalhar como estilista; que o valor de R$ 25.000,00, refere-se à quebra do direito de uso da marca, pois autorizou a Sra Simone a utilizar a marca da depoente”. (Id cfc0b97 – Pág. 1).

A sócia da reclamada, em depoimento pessoal, declarou:

“que a reclamante quis celebrar um contrato de sociedade de gaveta com a depoente, mas como fez muitas exigências, o advogado da depoente não autorizou a sua assinatura; que como a loja já estava pronta, começou a funcionar mesmo sem contrato; que a reclamante pagou metade do valor da obra da loja e da produção também; que a reclamante arcou com 50% do valor da obra e da produção, sendo que cada parte contribuiu com o valor aproximado de R$ 50.000,00; que a proposta inicial era que cada parte contribuísse com 50% do capital social, o que, de fato, ocorreu; que a depoente não assinou nenhum contrato para utilizar a marca Menta, de propriedade da reclamante; que o marido da depoente, Sr. Hélio, e o marido da reclamante, Sr. Guilherme, ajudavam ambas a conferir os caixas da loja, parte financeira, banco e também participavam das reuniões; que o Sr. Hélio não teve nenhum ingerência na contratação das testemunhas Luciana e Giovana; que, exibido o documento de Id bdbf14b, a depoente disse que são mensagens pessoais trocadas ente ela e a reclamante no e que houve bate boca quando da dissolução instagram da sociedade” (Id cfc0b97 – Pág. 1).

A primeira testemunha indicada pela reclamada, Sra. Luciana Souza de Aquino, inquirida, respondeu:

“que trabalhou na Loja Menta de nov/2020 até março/2021, como atendente de loja; que a reclamante aparecia, às vezes, na loja para entregar roupas, recolher tecidos, cobrar as metas de venda e verificar o movimento da loja e o seu faturamento; que a reclamante era estilista e apresentava os modelos das roupas; que a entrevista de emprego da depoente foi feita pela Simone, que posteriormente apresentou a depoente para a Sra Deborah; que no ato da entrevista, foi informado a depoente, que a Sra Simone era sócia da reclamante”. Perguntas do patrono da ré: “que, melhor dizendo, foi admitida em nov/2019 e dispensada em março/2020; que a reclamante comparecia à loja de 3 a 4 vezes por semana, em média; que a reclamante não tinha jornada a ser cumprida; que inicialmente, a depoente trabalhou das 12h às 20h e, depois, das 9h às 17h; que a reclamante ligava frequentemente para o telefone da loja e perguntava se as metas tinham sido batidas e quanto a loja havia faturado naquele dia Perguntas do patrono da reclamante:”que, exibido o documento de Id: e610ad8, a depoente reconheceu sua autoria e assinatura e disse que procurou na internet um modelo que a ajudasse a redigir o depoimento; que não combinou com a testemunha Giovana sobre o teor dos depoimentos; que não ofereceu o seu depoimento como modelo para ser utilizado pela Sra Giovana”. (Id cfc0b97 – Pág. 2).

A segunda testemunha ouvida a convite da ré, Sra. Giovana de Melo Costa da Silva, inquirida, respondeu:

“que, exibido o documento de Id: e610ad8, a depoente reconheceu sua autoria e assinatura; que o advogado orientou a depoente e a Sra Luciana para informarem no documento que eram funcionárias da Rosa Flor e que deveriam contar o que havia acontecido; que não usou o documento da sra Luciana como modelo; que o advoga enviou uma espécie de modelo padrão e pediu que a depoente colocasse os seus dados

Perguntas do patrono da ré: que quando foi admitida, foi entrevistada pela reclamante; que a reclamante comparecia à loja, uma a três vezes por semana, em média; que a reclamante sempre comparecia nos dias em que havia o recebimento de mercadorias e ajudava a conferi-las; que na entrevista, a depoente foi informada que a Sra Simone e a reclamante eram sócias; que no decorrer do contrato de trabalho da depoente, sempre foi dito que a Sra Deborah era sócia e que ela, inclusive, comandava o trabalho, dava instruções e broncas; que a Sra Deborah e a Sra Simone comportavam-se como chefes e donas da loja; que a reclamante costumava ligar para saber como estava o movimento da loja e, ao final do dia, mandava mensagem perguntando sobre o faturamento da loja”. (Id cfc0b97 – Pág. 2).

A análise dos depoimentos acima em cotejo com a prova documental anexada aos autos não autoriza conclusão diversa daquela adotada pelo MM. Juízo de origem.

Note-se, inicialmente, que o valor probante da prova documental não é absoluto, podendo tal meio de prova ser desconstituído, desde que outros elementos constantes nos autos, a exemplo da prova testemunhal, que possam passar a convicção de que a verdade real era diferente da verdade formal, como ocorreu neste feito em relação a alguns documentos, devendo ser privilegiado o princípio da primazia da realidade sobre a forma quando esta restar infirmada pelo restante do conjunto probatório.

Assim, em que pese a anotação da CTPS da reclamante, bem como a dispensa sem justa causa da autora consignada no instrumento de distrato (Id 783cde7), é certo que tais registros não bastam para comprovar categoricamente a existência do alegado vínculo de emprego, seja em razão de divergência em relação aos termos da inicial, seja porque a própria reclamada admite que se trata de registro na CTPS cujo objetivo foi o de simular a existência de contrato de trabalho.

Diante das provas judiciais, é crível a tese acolhida pelo juízo a quo

de que o contrato de trabalho foi simulado com fulcro de blindar a renda da reclamante, que é executada em dezenas de processos trabalhistas neste Regional.

Importa destacar o” instrumento de distrato de licença de uso de marca e outros pactos “(Id 783cde7), por meio do qual a reclamada fica obrigada a não mais comercializar a marca MENTHA, de propriedade da autora, bem como a” mudar o layout (identidade visual) da marca, alterando as cores verde da fachada, arara e teto, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, bem como retirar todos os letreiros (interno e externo), com observação da cláusula 4, item viii e, demais objetos que façam menção a marca MENTHA, sob pena de descumprimento do presente instrumento, sujeitando-se às sanções previstas neste contrato e na legislação “(Id 783cde7 – Págs. 1/2).

Observe-se, ainda, que no referido instrumento de distrato, resta consignado que o valor de R$25.000,00, pago pela ré em favor da autora, se trata de indenização pelo uso da marca MENTHA, sendo certo que tal importância consta no recibo de quitação de Id dd98bff, o que infirma a assertiva apresentada na inicial no sentido de que este pagamento possui caráter salarial.

Prosseguindo no exame da documentação colacionada aos autos, impõe-se ressaltar que os documentos de Id 3943006 e Id dfb9a97, firmados pela autora, se tratam de recibos referentes à distribuição de lucros à reclamante, o que, a toda evidência, não se coaduna com relação empregatícia.

No que tange à prova oral, cabe salientar que a própria reclamante afirmou que” o valor de R$ 25.000,00, refere-se à quebra do direito de uso da marca, pois autorizou a Sra Simone a utilizar a marca da depoente “(Id cfc0b97 – Pág. 1), cumprindo registrar, neste contexto, que o depoimento pessoal da autora também infirma as assertivas da inicial no sentido de que esta verba tinha natureza salarial, o que dispensa qualquer discussão a respeito, tendo em vista que a confissão real faz prova plena contra o confitente.

Registre-se, neste aspecto, que a confissão real, obtida em juízo, é a melhor das provas e dispensa a produção, pela parte contrária, de qualquer elemento probante relacionado ao objeto da confissão, bem como tem o condão de tornar irrelevantes as demais provas produzidas nos autos quanto ao particular.

Ainda assim, cabe acrescentar que a primeira testemunha da ré afirmou que a autora não cumpria horário, às vezes comparecia na loja para entregar roupas, recolher tecidos, cobrar metas de vendas e verificar o movimento da loja e seu faturamento. Aduziu, ainda, que no ato da sua entrevista foi informada que a autora era sócia da empresa.

A segunda testemunha da ré, por sua vez, declarou categoricamente que sua entrevista de emprego foi realizada pela reclamante, que a autora comparecia na loja nos dias em que havia recebimento de mercadorias e ajudava a conferi-las. Afirmou que na entrevista foi informada que a autora e a ré eram sócias, afirmando, ainda, que a reclamante, inclusive,”comandava o trabalho, dava instruções e broncas”(Id cfc0b97 – Pág. 2). Esta testemunha também aduziu que tanto a autora quanto a ré se comportavam como chefes e donas da empresa, bem como que a reclamante telefonava para saber como estava o movimento e o faturamento da loja.

Extrai-se dos autos que a relação havida entre as partes era de sociedade, o que, por si só, afasta a existência de vínculo empregatício. Tem-se, portanto, que a ré se desincumbiu do ônus probatório que sobre ela recaía.

Registre-se, neste contexto, que no que diz respeito à valoração da prova oral, o magistrado forma seu convencimento com base nas impressões que se podem extrair do contato com as partes e testemunhas, razão pela qual entendo ser relevante o entendimento do Juízo a quo , já que, tendo tido contato com as partes e as testemunhas, possui melhor aptidão para extrair o conteúdo de verdade de cada depoimento.

Essa interpretação tem como fundamento o princípio da persuasão racional do juiz, insculpido no art. 371 do CPC c/c art. 769 da CLT, segundo o qual o juiz apreciará livremente a prova, atento aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, bem como no princípio da identidade física do juiz inserido nos artigos 366 e 370 do CPC.

Assim, na análise da prova oral, o princípio da identidade física do juiz é de grande importância, uma vez que as atas de audiência e os termos de depoimentos não são capazes de reproduzir as impressões que resultam da inquirição direta das partes e das testemunhas, ou seja, não são capazes de externar os elementos não verbais que se extraem do contato entre juiz, partes e testemunhas.

Nesse sentido a lição do Ilustre Professor José Augusto Rodrigues Pinto, in ‘Processo Trabalhista de Conhecimento’, Ed. LTr, verbis :

“A confiança com que poderá ser analisada vai depender muito da firmeza com que foi recolhida. Efetivamente, o contato pessoal do Juiz com as testemunhas lhe permite observá-las psicologicamente, estabelecendo uma medida bem próxima da exatidão quanto à sinceridade de suas respostas.”

Frise-se que vige no Processo do Trabalho o Princípio da Persuasão Racional (artigo 371 do CPC), o qual confere ao magistrado ampla liberdade para formar seu convencimento sobre os fatos da lide com base na melhor prova existente nos autos, como na espécie.

Ante o exposto, tem-se como não comprovada a existência concomitante de todos os requisitos necessário para a configuração do vínculo de emprego, nos termos do artigo 3º da CLT. Por outro lado, restou demonstrada a condição de sócia da reclamante em face da reclamada.

Irretocável, portanto, a r. sentença que reconheceu a ocorrência de simulação e declarou nulo o contrato de trabalho entre as partes e, como corolário, julgou improcedentes todos os pedidos de natureza trabalhista.

Mantém-se a r. sentença nos seus exatos termos, inclusive quanto à expedição de ofícios ao Ministério da Economia, ao INSS, à CEF e ao MPF, cabendo acrescentar a expedição de ofícios à Refeita Federal para a tomada de providências cabíveis ante a caracterização do crime de sonegação fiscal verificada nestes autos.

Registre-se, neste aspecto, que tal determinação se insere nos poderes outorgados ao juiz para condução do processo com ampla liberdade, cabendo-lhe avaliar a conveniência de comunicar aos órgãos competentes eventuais irregularidades que venham a ser constatadas para que sejam tomadas as providências cabíveis no âmbito das respectivas atribuições. A expedição de Ofícios é matéria de ordem pública, independendo, inclusive, de requisição.

Cumpre ressaltar, por fim, que, ao determinar a expedição dos ofícios, o Juízo cumpre o dever que lhe é inerente de comunicar as irregularidades constatadas às autoridades competentes para a devida fiscalização.

Neste sentido, a jurisprudência do C. TST, in verbis:

“RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. (…) EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS. POSSIBILIDADE. A determinação de expedição de ofícios a órgãos administrativos está inserta no poder de direção do processo, conferido aos magistrados por força do artigo 765 da CLT, que têm competência para exercer, em geral, no interesse desta Justiça Especializada, outras atribuições que decorram da sua jurisdição, nos termos dos artigos 653, f, e 680, alínea g, da CLT. Precedentes. Recurso de revista de que não se conhece. (…) (TST – RR: 17006020125170141, Relator: Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 06/09/2017, 7a Turma, Data de Publicação: DEJT 15/09/2017)”

Nego provimento.

DOS DANOS MORAIS

Alega a reclamante que” foi vítima de conduta abusiva e antijurídica praticada pela sócia da Ré, Sr.a Simone Alves Viegas Pinto, que, no mês de março de 2020, ultrapassou os limites de seu poder diretivo, ofendendo a Autora de forma reiterada, o que notoriamente, trouxe danos de foro íntimo que devem ser ressarcidos. 35. Apesar dos atrasos salariais e da fraude trabalhista quanto ao pagamento de salário, a Autora sempre se mostrou disponível e cooperativa e o ambiente de trabalho era pautado, até então, pelos princípios de uma boa relação profissional. 36. Assim, no mês de março de 2020, após divergências acerca da condução do trabalho, a Autora se direcionou a sócia da Ré e sua empregadora, Sr.a Simone, no intuito de dialogar e resolver a situação. 37. Contudo, a Sr.a Simone, de forma desrespeitosa, respondeu à Autora com reiteradas ofensas. (…) Conforme se depreende das mensagens acima colacionadas, a tratativa da Sr.a Simone é abusiva e ilícita, não podendo ser tolerada no cerne de uma relação jurídica de trabalho. 39. Por todo o exposto, requer a Autora a condenação da Ré ao pagamento de indenização por danos morais, a teor do que preceituam os artigos 223-A e seguintes, no importe de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais).”(Id b1c8175 – Pág. 13).

O MM. Juízo de primeiro grau decidiu, nos seguintes termos:

“DANOS MORAIS

Declarada a nulidade pela simulação do contrato de trabalho, e sendo as ofensas estritamente de ordem pessoal, nada tendo a ver com a alegada relação laboral, a Justiça do Trabalho não tem competência para analisar o pedido.

Destarte, declaro a incompetência desta Justiça Especializada para processar e julgar o pedido, extinguindo-o sem resolução de mérito (art. 485, IV, do CPC).”

Desta decisão recorre a autora alegando, em síntese, que” Quanto às ofensas direcionadas a Recorrente, cumpre ressaltar que a Recorrida é confessa quanto às mensagens trazidas na inicial. 112. Além de não haver qualquer impugnação à sua autoria, também confessa a Sr.a Simone, proprietária da Recorrida, em seu depoimento pessoal. 113. Portanto, reitera a Recorrente os termos de sua peça de ingresso quanto a configuração de dano moral decorrente da conduta, uma vez mais, incontroversa da proprietária da Recorrida, Sr.a Simone. Portanto, incontroverso que a Recorrente foi vítima de conduta abusiva e antijurídica praticada pela sócia da Recorrida, Sr.a Simone Alves Viegas Pinto, que ultrapassou os limites de seu poder diretivo, ofendendo a Recorrente de forma reiterada, o que notoriamente, trouxe danos de foro íntimo que devem ser ressarcidos. 115. Conforme se depreende das mensagens acima colacionadas, a tratativa da Sr.a Simone é abusiva e ilícita, não podendo ser tolerada no cerne de uma relação jurídica de trabalho. 116. Por todo o exposto, requer a Recorrente a condenação da Recorrida ao pagamento de indenização por danos morais.”(Id 33a7768 – Págs. 30/31).

Analisa-se.

Registre-se, inicialmente, que os danos morais são lesões sofridas pela pessoa natural em seu patrimônio ideal. Entende-se por patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não é suscetível de valor econômico.

O reconhecimento da existência de dano moral, na Justiça do Trabalho, possui como pressuposto o ato ilícito decorrente da relação de emprego que cause dano à honra subjetiva – dor, emoção, vergonha, sofrimento e injúria moral -, do empregado vinculado ao agir do empregador.

Para a caracterização do dano moral, faz-se necessário que o dano alegado tenha, de fato, ocorrido, uma vez que é incabível o pleito de indenização fundado em mero aborrecimento ou desgosto. Com efeito, o reconhecimento do dano moral demanda um gravame expressivo e capaz de lesar bens jurídicos da pessoa humana, importando em violação aos direitos da personalidade do cidadão, não se identificando essa hipótese com simples dissabores resultantes da relação de trabalho.

Na hipótese dos autos, como consignado no item precedente, restou mantida a r. sentença que reconheceu a condição de sócia da autora em face da ré, não sendo constatada, portanto, a existência de vínculo de emprego entre as partes. Por esta razão, não há que se falar em condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos morais.

Correta a r. sentença.

Nego provimento.

DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS

No que se refere aos honorários advocatícios, o MM. Juízo de primeiro grau assim decidiu:

“HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS

A presente ação e a reconvenção foram ajuizadas após a entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista).

Incide, portanto, o art. 791-A, caput, da CLT, razão pela qual condeno a Reclamante ao pagamento de honorários advocatícios em prol do patrono da Reclamada, equivalentes a 15% do valor da causa atualizado.

Em relação à reconvenção, condeno a Reconvinte ao pagamento de honorários advocatícios em prol do patrono da Reconvinda, equivalentes a 15% do valor da causa atribuído ao pedido (R$ 10.000,00).

(…) “(Id d03ffba – Págs. 6/7).

Em face desta decisão recorre a autora alegando, em síntese, que”Devidos os honorários advocatícios de sucumbência, conforme preceitua o art. 791-A da CLT, no importe de 15% sobre o valor da condenação.”(Id. 33a7768 – Pág. 31).

Razão não lhe assiste.

Mantida a r. sentença que julgou improcedentes os pedidos da inicial, à exceção daquele relativo à gratuidade de justiça, não há que se falar em condenação da ré ao pagamento de honorários advocatícios.

Nego provimento.

DO PREQUESTIONAMENTO

Tendo este relator adotado tese explícita sobre o thema decidendum e, considerando-se que não está o Juiz obrigado a refutar todos os argumentos sustentados pelas partes, desde que fundamente o julgado (artigos 371 e 489, II, do CPC, artigo 832 da CLT, artigo 93, IX da CF/88 e artigo 15 da Instrução Normativa nº 39/2016 do C. TST), tem-se por prequestionados os dispositivos constitucionais e legais invocados pelo recorrente, na forma da Súmula nº 297, I, do C. TST.

ISTO POSTO , conheço do recurso, e, no mérito, dou-lhe parcial provimento, tão somente, para deferir à autora o benefício da gratuidade de justiça.

ACORDAM os Desembargadores que compõem a Quinta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1a Região, por unanimidade, conhecer do recurso, e, no mérito, dar-lhe parcial provimento , tão somente, para deferir à autora o benefício da gratuidade de justiça, nos termos da fundamentação do voto do Relator. Em atenção à Instrução Normativa nº 3, alínea c, do C. TST, arbitra-se custas pela reclamante no importe de R$1.636,58 (um mil, seiscentos e trinta e seis reais e cinquenta e oito centavos) calculadas sobre R$ 81.829,00 (oitenta e um mil, oitocentos e vinte e nove reais), valor dado à causa, das quais fica dispensada ante o deferimento de gratuidade de justiça.

Rio de Janeiro, 01 de junho de 2022.

JORGE ORLANDO SERENO RAMOS

Desembargador Relator

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