0000297-45.2022.5.09.0653 (RORSum)

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EMENTA – VÍNCULO EMPREGATÍCIO. PERÍODO ANTERIOR AO ANOTADO EM CTPS. ÔNUS DA PROVA. FREELANCER. ARTIGO 818 DA CLT. Sendo confessado pela parte reclamada que o obreiro lhe prestou serviços em período sem registro da CTPS, nasce a presunção relativa favorável ao trabalhador de que o labor ocorreu com a concorrência dos requisitos constantes nos artigos 2º e 3º da CLT. O ônus de comprovar a ausência dos elementos dos previstos nos artigos referidos passa a pertencer à ré, eis que fato impeditivo à pretensão da parte autora. Inteligência do art. 818 da CLT. No caso em tela, de tal ônus a reclamada não se desconstituiu, sendo deferido o pleito da reclamante de reconhecimento de vínculo empregatício. Recurso provido.

 

 

Inteiro Teor

Identificação

PROCESSO nº 0000297-45.2022.5.09.0653 (RORSum)

RECORRENTE: CAMILA APARECIDA CAMARGO DOS SANTOS BERGAMO

RECORRIDO: PEIXOTO & YAMADA LTDA

RELATOR: EDUARDO MILLEO BARACAT

3ª Turma

0104

EMENTA

VÍNCULO EMPREGATÍCIO. PERÍODO ANTERIOR AO ANOTADO EM CTPS. ÔNUS DA PROVA. FREELANCER. ARTIGO 818 DA CLT. Sendo confessado pela parte reclamada que o obreiro lhe prestou serviços em período sem registro da CTPS, nasce a presunção relativa favorável ao trabalhador de que o labor ocorreu com a concorrência dos requisitos constantes nos artigos 2º e 3º da CLT. O ônus de comprovar a ausência dos elementos dos previstos nos artigos referidos passa a pertencer à ré, eis que fato impeditivo à pretensão da parte autora. Inteligência do art. 818 da CLT. No caso em tela, de tal ônus a reclamada não se desconstituiu, sendo deferido o pleito da reclamante de reconhecimento de vínculo empregatício. Recurso provido.

RELATÓRIO

V I S T O S, relatados e discutidos estes autos de RECURSO ORDINÁRIO – RITO SUMARÍSSIMO (11886), provenientes da MM. VARA DO TRABALHO DE ARAPONGAS.

As páginas mencionadas no texto se referem à exportação dos autos em arquivo PDF na ordem crescente.

Trata-se de ação trabalhista ajuizada em 18/03/2022, relativa ao contrato de trabalho que vigorou, em tese, de 05/05/2019 a 10/10/2021. Cuida-se, portanto, de relação jurídica material consolidada em período posterior à Lei nº 13.467/2017.

Inconformada com a r. sentença (fls. 234/244), proferida pela Exma. Juíza do Trabalho KARLA GRACE MESQUITA IZIDIO, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, recorre a reclamante (fls. 247/253).

Dispensado o relatório, nos termos do artigo 852-I, “caput”, c/c art. 895, § 1º, IV, da CLT.

FUNDAMENTAÇÃO

ADMISSIBILIDADE

A parte autora juntou dentro da peça recursal, na fl. 252, uma foto datada de 14 de agosto de 2019 para comprovar suas alegações de vínculo empregatício.

Contudo, por se tratar de documento que já estava em seu poder, e que poderia ter sido juntado no momento processual oportuno na data do ajuizamento da reclamatória trabalhista ou em sede de impugnação, entendo como indevida sua anexação.

Nesse sentido, saliento que a Súmula 8 do TST é clara ao afirmar que:

A juntada de documentos na fase recursal só se justifica quando provado o justo impedimento para sua oportuna apresentação ou se referir a fato posterior à sentença.

No caso, por não restar comprovado tratar-se de documento novo, visto que já estava em seu poder e, por mero esquecimento não o colacionou no momento processual oportuno, entendo como descabivel sua análise.

Isso posto, presentes os pressupostos de admissibilidade, CONHEÇO do recurso ordinário em procedimento sumaríssimo interposto pela reclamante, assim como das contrarrazões apresentadas; e NÃO CONHEÇO do documento anexado dentro do recurso ordinário à fl. 252.

Preliminar de admissibilidade

Conclusão da admissibilidade

MÉRITO

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE

Vínculo empregatício

Insurge-se, a reclamante, contra a r. sentença que não reconheceu o vínculo empregatício buscado pela autora de 05/05/2019 até 02/10/2020. Alega que há, nos autos, provas sólidas que demonstram que existia um contrato de trabalho entre as partes antes do registro da CTPS, devendo a realidade prevalecer sobre o que foi efetivamente registrado. Ainda, defende que estão presentes todos os requisitos de emprego para o deferimento de seu pedido, não caracterizando os serviços prestados como um trabalho autônomo. Logo, pede a reforma da r. sentença a fim de que seja reconhecido o vínculo empregatício de 05/05/2019 até 02/10/2020, com o pagamento de todas as verbas salariais devidas por esse período.

Constou na r. sentença:

Não tendo sido elidido, por qualquer meio, a presunção de veracidade das anotações referentes à data de admissão constante no contrato de trabalho (Súmula nº 12 do C. TST), inacolhível se mostra o pedido. Neste sentido:

VÍNCULO EMPREGATÍCIO EM PERÍODO ANTERIOR AO ANOTADO EM CTPS. ÔNUS DA PROVA. A Ré negou a prestação de serviços por parte da Autora em período anterior ao registrado em CTPS, sendo, assim, ônus da Reclamante provar a suposta existência de vínculo empregatício antes da devida anotação na carteira de trabalho, conforme arts. 818 da CLT e 333, I, do CPC, uma vez que esta ostenta presunção “juris tantum”, nos termos da Súmula nº 12 do C. TST. Recurso ordinário da Autora a que se nega provimento. (RO nº 01056-2013-068-09-00-0. TRT9 – T7. Rel. Ubirajara Carlos Mendes. DEJT 02.12.2014)

Registre-se que a testemunha GERALDINA APARECIDA DE ÁVILA, ao ser inquirida se a reclamante laborava no período da manhã, respondeu que sim. A própria exordial indica que o horário de labor era a partir das 15h em um período e a partir das 14h no outro período – nada mencionando de labor no período da manhã. O próprio depoimento pessoal da reclamante indica que ela laborava no turno da noite. Sem qualquer credibilidade o depoimento da testemunha, portanto.

Pelo exposto, indeferem-se, principal e acessórios.

O contrato de trabalho foi registrado em CTPS no período de 03/10/2020 a 10/10/2021, tendo a autora exercido a função de auxiliar geral. A autora pleiteia o reconhecimento do vínculo desde 05/05/2019.

Dentre outros documentos, presente nos autos a CTPS (fls. 11/12), Cartões-ponto (fls. 54/63), Demonstrativos de Pagamento (fls. 65/77), e TRCT (fls. 93/94).

Prova oral colhida em audiência (fls. 229/230) e armazenada no sistema PJeMídias, na qual constou:

Depoimento pessoal da autora: Que foi admitida em 05/05/2019, sem registro. Que foi registrada sua CTPS em outubro de 2020. Que laborou 1 ano e meio sem registro. Que trabalhava todos os dias igual os demais empregados. Que laborava das 15h às 22h, sem intervalos. Que aos domingos havia revezamento através de equipes.

Depoimento do preposto da reclamada, Sr. Carlos Peixoto: Que a reclamante começou a trabalhar para a empresa esporadicamente, como diarista. Que o início de suas atividades se deram na metade do ano de 2019. Que a autora não trabalhava todos os dias, e sim apenas aos sábados e domingos, e para cobrir folgas na segunda-feira. Que durante a pandemia a empresa funcionava com horários reduzidos. Que após contratar a reclamante ela começou a laborar todos os dias. Que as diárias variam de R$ 80,00 à R$ 100,00, pagando a empresa na mesma data. Que a reclamante trabalhava sábados, domingos e feriados, a depender da escala. Que o horário da reclamante era das 15h às 22h de segunda à sábado.

Testemunha ouvida a convite da reclamante, Sra. Geraldina Aparecida de Ávila: Que a reclamante começou a trabalhar em novembro de 2019 na empresa. Que a autora iniciou como diarista. Que a reclamante laborava todos os dias de segunda à sábado. Que não trabalhava no mesmo estabelecimento da reclamante, mas as vezes laboravam juntas, nos domingos. Que encontrava a reclamante todos os dias e sabia que esta trabalhava de segunda à sábado. Que não sabe informar se haviam outras diaristas no estabelecimento que laborava a reclamante. Que a reclamante trabalhava a partir das 07h, no período da manhã. Que as padarias não fechavam durante a pandemia e funcionavam no horário normal. Que haviam outras empregadas sem registro. Que tanto ela quanto a reclamante laboravam no turno da manhã.

Informante ouvida a convite da reclamada, Sra. Fernanda Martins: Que a empresa contratava diaristas para laborar no balcão, para dar folga aos funcionários. Que a reclamante começou a trabalhar em junho ou julho de 2019 como diarista. Que a autora trabalhava esporadicamente, nos dias em que faltavam os outros funcionários e aos finais de semana. Que a reclamante era chamada para trabalhar conforme a necessidade da empresa. Que a autora não era obrigada a aceitar as diárias. Que a autora recebia ordens de serviço e tinha que cumprir horários. Que a reclamante fazia os mesmos serviços que os empregados registrados durante a diária. Que haviam 02 turnos de trabalho, das 06h às 14h e das 14h30min às 21h30. Que a reclamante laborava no turno da tarde.

Analiso.

Assiste razão à reclamante.

O ônus probatório da relação de emprego é distribuído da seguinte maneira: se negada a prestação de serviços, cabe à parte autora, nos termos do artigo 818 da CLT, demonstrar fato constitutivo do direito por ela alegado.

Todavia, sendo confessado pela parte reclamada que o obreiro prestou serviços, nasce uma presunção relativa favorável ao trabalhador de que o labor ocorreu com a concorrência dos requisitos constantes nos artigos 2º e 3º da CLT. Disso decorre a denominada “inversão do ônus probatório”, que passa a pertencer à ré de provar a existência dos requisitos que validem a relação alegada em defesa, sobretudo porque utilizou tal argumento como fato impeditivo à pretensão da parte autora

No depoimento pessoal do preposto da reclamada e da oitiva da informante da parte ré foi narrado que:

Depoimento do preposto da reclamada, Sr. Carlos Peixoto: Que a reclamante começou a trabalhar para a empresa esporadicamente, como diarista. Que o início de suas atividades se deram na metade do ano de 2019. Que a autora não trabalhava todos os dias, e sim apenas aos sábados e domingos, e para cobrir folgas na segunda-feira. Que durante a pandemia a empresa funcionava com horários reduzidos. Que após contratar a reclamante ela começou a laborar todos os dias. Que as diárias variam de R$ 80,00 à R$ 100,00, pagando a empresa na mesma data. Que a reclamante trabalhava sábados, domingos e feriados, a depender da escala. Que o horário da reclamante era das 15h às 22h de segunda à sábado.

Informante ouvida a convite da reclamada, Sra. Fernanda Martins: Que a empresa contratava diaristas para laborar no balcão, para dar folga aos funcionários. Que a reclamante começou a trabalhar em junho ou julho de 2019 como diarista. Que a autora trabalhava esporadicamente, nos dias em que faltavam os outros funcionários e aos finais de semana. Que a reclamante era chamada para trabalhar conforme a necessidade da empresa. Que a autora não era obrigada a aceitar as diárias. Que a autora recebia ordens de serviço e tinha que cumprir horários. Que a reclamante fazia os mesmos serviços que os empregados registrados durante a diária. Que haviam 02 turnos de trabalho, das 06h às 14h e das 14h30min às 21h30. Que a reclamante laborava no turno da tarde.

Dessa feita, tendo em vista que a empresa não nega a prestação de serviços pela reclamante desde a metade do ano de 2019 até o registro na CTPS em outubro de 2020, mas afirma que esta trabalhava como diarista, cabia a reclamada o ônus probatório (art. 818, II, da CLT c/c art. 373, do CPC) de provar a caracterização do trabalho autônomo e a inexistência da relação de emprego.

Todavia, nota-se que deste ônus a empresa não se desincumbiu. Nesse sentido, observa-se que não há nos autos nenhuma prova capaz de derrubar a presunção de veracidade dada às alegações da autora, pois não foram colacionados documentos que comprovem o labor apenas a título de diarista pela reclamante.

Já no que diz respeito a prova oral, constata-se claramente que a oitiva da testemunha ouvida a convite da parte reclamante, Sra. Geraldina, não tem muito valor, visto que esta se contradisse em diversos momentos durante suas afirmações:

Que a reclamante começou a trabalhar em novembro de 2019 na empresa. Que a autora iniciou como diarista. Que a reclamante laborava todos os dias de segunda à sábado. Que não trabalhava no mesmo estabelecimento da reclamante, mas as vezes laboravam juntas, nos domingos. Que encontrava a reclamante todos os dias e sabia que esta trabalhava de segunda à sábado. Que não sabe informar se haviam outras diaristas no estabelecimento que laborava a reclamante. Que a reclamante trabalhava a partir das 07h, no período da manhã. Que as padarias não fechavam durante a pandemia e funcionavam no horário normal. Que haviam outras empregadas sem registro. Que tanto ela quanto a reclamante laboravam no turno da manhã.

Nesse diapasão, nota-se que inicialmente a testemunha alega que a parte autora trabalhava como diarista em todos os dias, mas afirmou que não laborava no mesmo estabelecimento da reclamante, sendo que sabia que a autora laborava lá porque a encontrava todos os dias. Ainda, narrou que o horário de expediente da reclamante era a partir das 07h (período da manhã), sendo que a própria autora alega em seu depoimento pessoal e na exordial que laborava no período da tarde, o que é confirmado pelos cartões-ponto anexados e pela ficha cadastral da empregada. Logo, sem valor o testemunho prestado por faltar-lhe coerência em suas narrativas.

Junto com isso, observo que não houve mais provas testemunhais produzidas, tendo em vista a falta de imparcialidade da Sra. Fernanda, trazida pela reclamada, e ouvida como informante, por ser representante do empregador.

Logo, restaram apenas os depoimentos pessoais das partes envolvidas no conflito, os quais são conflitantes, pois a autora alega a prestação de serviços como empregada; e o preposto da ré afirma que este se deu apenas a título de trabalho autônomo, não podendo ser, portanto, desconstituída a presunção de veracidade que beneficia a parte reclamante.

Nesse sentido, cito como precedentes desta E. 3ª Turma: 0000946-50-2021-5-09-0069, Rel. Eduardo Milléo Baracat e Rev. Thereza Cristina Gosdal, Publicado em 14/04/2023; 0000304-55-2020-5-09-0411, Rel. Thereza Cristina Gosdal e Rev. Eduardo Milléo Baracat, Publicado em 17/04/2023.

Portanto, por não ter a reclamada se desincumbido de seu ônus probatório de comprovar a existência de fatos impeditivos à caracterização de vínculo empregatício entre 05/05/2019 à 03/10/2020, entendo que merece prosperar os pleitos da recorrente.

Reformo a r. sentença a fim de reconhecer a existência de vínculo empregatício entre as partes de 05/05/2019 à 03/10/2020, com a consequente anotação em CTPS e o pagamento das verbas rescisórias e salariais a título de 13º, férias, FGTS, e demais consectários legais.

Conclusão do recurso

ACÓRDÃO

Cabeçalho do acórdão

Acórdão

Em Sessão Presencial realizada nesta data, sob a Presidência da Excelentíssima Desembargadora Thereza Cristina Gosdal; presente o Excelentíssimo Procurador Alberto Emiliano de Oliveira Neto, representante do Ministério Público do Trabalho; compareceram presencialmente os Excelentíssimos Desembargadores Thereza Cristina Gosdal, Aramis de Souza Silveira, Adilson Luiz Funez e Eduardo Milleo Baracat; computados os votos dos Excelentíssimos Desembargadores Eduardo Milleo Baracat, Thereza Cristina Gosdal e Adilson Luiz Funez; ACORDAM os Desembargadores da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, por unanimidade, CONHECER DO RECURSO ORDINÁRIO – RITO SUMARÍSSIMO DA RECLAMANTE, assim como das contrarrazões apresentadas; e NÃO CONHECER DA DOCUMENTAÇÃO JUNTADA DENTRO DO RECURSO ORDINÁRIO À FL. 252, por não se tratar de documento novo. No mérito, por igual votação, DAR-LHE PROVIMENTO para reconhecer a existência de vínculo empregatício entre as partes de 05/05/2019 à 03/10/2020, com a consequente anotação em CTPS e o pagamento das verbas rescisórias e salariais a título de 13º, férias, FGTS, e demais consectários legais. Tudo nos termos da fundamentação.

Custas inalteradas.

Intimem-se.

Curitiba, 14 de junho de 2023.

Assinatura

EDUARDO MILLEO BARACAT

Relator

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